A Clínica de Medicina Geral Amarante era o maior centro de referência em saude
de toda a cidade. Seu fundador e proprietário, o Dr. Roberto Amarante, era um
cardiologista renomado em todo o estado, não só pela atuação como médico, com
destaque para as consultas grátis ao fim do dia destinadas às pessoas carentes,
mas também por ter ingressado na carreira política, sendo prefeito de seu
município em duas oportunidades.
Dr. Roberto pedia que sua secretária marcasse todas as suas consultas a
partir das oito horas da manhã, no entanto, o costume de acordar cedo ficara no
passado e todos os dias o médico chegava ao consultório com uma hora de atraso.
Outra característica da qual o homem dispunha, era a simpatia:
- Bom dia, Seu Francisco! Como
vai a família?
- Bem.
- Que bom!
Não havia um dia sequer em que o homem deixasse de trocar algumas
palavras com Seu Francisco, o operador do elevador e um dos funcionários mais
antigos da clínica. Nos poucos segundos que lá permanecia, munido de seu
jornal, no qual lia apenas as manchetes naquele curto espaço de tempo, se
preocupava sempre em saudar seu
empregado.
Seu Francisco há algum tempo vinha passando dificuldades financeiras. Sua
esposa havia sido despedida do emprego e seu único filho, que ajudava os pais
nas dispesas da casa, acabara de casar às pressas por conta de uma gravidez
inesperada da sua companheira. Por vezes o almoço na casa do velho Chico era
apenas arroz e o feijão que sobrou do outro dia. Carne só era encontrada no seu
prato, quando algum vizinho, comovido com a situação, compartilhava algum
pedaço que sobrara na panela.
Em um dia de trabalho, aparentemente como outro qualquer, lá estava Seu
Francisco operando o elevador. Já passavam das nove horas e nem sinal do Dr.
Roberto, seus atrasos eram normais, mas nunca demorara tanto. Eis que
finalmente o médico surge na porta de entrada da clínica, andando a passos
rápidos, como que ciente do problema que estava prestes a enfrentar por conta
dos minutos a mais na cama. Apesar da pressa, Dr. Roberto seguiu o ritual e
cumprimentou o funcionário:
- Bom dia, Seu Francisco! Como vai a família?
Em todos aqueles anos em que
trabalhara na clínica, Seu Francisco sempre respondera ao patrão da mesma
forma, com um sonoro “bem”. Mas, aquela ocasião despertou nele uma vontade de
expor a alguém a situação difícil que vinha passando, não no intuito de gerar
no seu patrão um sentimento de piedade e posteriormente uma ajuda financeira,
mas sim de expurgar de si toda a angústia que era corriqueira nos últimos dias.
Hesitou por um instante, até que, com a voz titubeante, respondeu:
- Mal.
Tão logo fechou a boca, ouviu do
Dr. Roberto a seguinte resposta:
- Que bom!
A porta do elevador se abriu no
andar em que ficava o consultório do médico e ele seguiu seu caminho, lendo o
jornal, e sem pronunciar nenhuma outra palavra, como sempre fazia todas as
manhãs.